quarta-feira, 25 de maio de 2016

Série Felicidade Dinamarquesa: Post 1 - Confiança

Há umas 2 semanas eu li um artigo em um grupo que sigo no Facebook onde o autor conta 6 dicas para uma vida mais feliz, que ele chama de "viver dinamarquesamente" (leia em inglês aqui). Como, mais uma vez, a Dinamarca foi eleita o país mais feliz do mundo, a pergunta que não quer calar é: qual é o segredo dos dinamarqueses? Nesse post, a autora sugere 6 motivos que achei que seria legal explorar com vocês. Alguns podem ser inseridos facilmente no nosso cotidiano, é só querer. Outros, carecemos da ajuda do governo de nosso país, e o primeiro passo é cobrar por medidas que nos levem até eles. Neste e nos próximos 5 posts eu te convido a colocar uma musiquinha de fundo, servir-se de sua bebida preferida e ficar zen. :) Com vocês, o primeiro segredo da felicidade: a confiança!


De todas as histórias que já contei para minha família e amigos sobre a Dinamarca, a campeã em causar o choque alheio é a história do bebê. Essa história virou tópico número um das reuniões de família ou quando alguém precisa que você inicie uma conversa com uma pessoa com quem não tem intimidade: "Conta pra ele aquela do bebê no restaurante!". Pois bem, repetirei a história dos bebês para vocês, queridos leitores, de forma bem floreada como ela deve ser sempre contada...

Gustavo chegou aqui em Copenhagen no inverno e, como tudo era novidade, no seu primeiro dia com neve ele resolveu sair para explorar a cidade com a paisagem nova. Ao passar por um restaurante ele viu um carrinho de bebê estacionado do lado de fora do estabelecimento e pensou: "Caramba! As pessoas nunca deixariam um carrinho de bebê solto assim no Brasil. Poderia ser roubado!". Eis que, neste momento, o carrinho gemeu. Gustavo, consternado, pensou: "Acho que estou ficando louco e ouvindo coisas.". Então, novamente, o carrinho emitiu um som curto e agudo. Gustavo, de cenho franzido, andou disfarçadamente até o carrinho, olhou lá para dentro e... "AI MEU DEUS DO CÉU! ESQUECERAM UMA CRIANÇA AQUI DENTRO!". No interior do carrinho, aconchegado, rosa, gordo e careca, estava um bebezinho fofo, de olhos arregalados mirando o Gustavo. Ele olhou em volta, pensou algumas vezes no que deveria fazer, e decidiu que isso provavelmente se tratava de um ato corriqueiro na cidade. Deu tchau para o bebê e foi embora.
Poucas semanas depois, Gustavo precisou enfrentar aquela fila de início de mês no banco (história completamente floreada porque as filas daqui são ridículas se comparadas com as que encontramos no Itaú no dia 10) e, chegando na agência, avistou mais um carrinho de bebê (habitado) estacionado do lado de fora. A mãe havia deixado a criança lá enquanto esperava na fila.
Quando eu cheguei aqui já havia ouvido tudo sobre estas histórias mas, a primeira vez que abri a janela do apartamento e vi um carrinho de bebê estacionado sozinho na entrada do condomínio, fiquei chocada como se aquilo fosse uma novidade para mim. Ver aquele bebezinho rechonchudo e fofo pegando sol sozinho me deixou morrendo de vontade de bater na porta da vizinha e falar: "Moça, por favor, não faça isso quando for no Brasil, tá? Só quero ter certeza de que você está ciente que não deve fazer isso em outras partes do mundo."


Outra situação envolvendo bebês aconteceu quando um cara do meu trabalho levou seu bebezinho para o escritório. Ele deixou o carrinho na entrada do prédio (do lado de dentro, pelo menos) com o bebê dormindo, e foi para sua sala trabalhar. Não sei o que o levou a fazer isso, mas provavelmente ele não tinha ninguém com quem deixar a criança e não podia faltar o trabalho naquele dia. Ora, por que não levar seu filho consigo, então?


A questão disso tudo é que os dinamarqueses não são péssimos pais, que abandonam seus filhos para serem sequestrados por pessoas loucas. Os dinamarqueses confiam uns nos outros, e é essa confiança que rege o país da forma que ele é hoje. Essa confiança faz com que os ciclistas atravessem um cruzamento movimentado de carros sem nem olhar para os lados, porque sabem que os automóveis não vão avançar o sinal vermelho. Essa confiança diminui a burocracia de forma que, se você for no supermercado reclamar que um produto foi cobrado o dobro do preço, o atendente vai te devolver o valor sem nem conferir na nota se isso aconteceu de verdade (experiência própria). Se você disser para seu chefe que está doente e não poderá ir trabalhar, ele não pedirá que você apresente um atestado médico. Se você ligar para a companhia telefônica e reclamar que a internet foi deduzida de seus créditos ao invés de ser descontada do pacote de dados que pagou, a atendente vai, na mesma hora, te devolver o valor que foi gasto indevidamente e reativar seu pacote. Sem nenhuma abertura de contestação de conta! Aprende, Oi (só de lembrar o nome dessa empresa eu me tremo toda!)! E, para finalizar, o mais chocante de todos: as pessoas confiam nos políticos. Nem sequer passa na cabeça dos dinamarqueses que algum de seus políticos possa estar roubando dinheiro público. Os políticos aqui, recebem um salário modesto, andam de bicicleta como todas as pessoas e praticamente não possuem nenhuma regalia. O único benefício que um vereador recebe, por exemplo, é um cartão para táxi, que só pode ser utilizado em eventos oficiais. Conversando com um professor universitário que detesta o governo atual, ouvi suas duras críticas à forma com que eles estão combatendo a imigração e cortando verba da educação. Perguntei a ele para onde o dinheiro estaria indo e se ele achava que os políticos estariam desviando estas verbas para os próprios bolsos. Ele respondeu: "Claro que não! Eles estão investindo o dinheiro da educação em saúde e, por incrível que pareça, no barateamento de carros. Eu posso detestar e achar estúpido, posso não concordar com o governo, mas eu confio nos políticos daqui. Sei que eles estão tentando fazer o que é melhor para o país."


Uma pesquisa apontou que 79% dos dinamarqueses alegam confiar em boa parte das pessoas. Entre os brasileiros, este número cai para 10%. Agora imagine viver em um lugar onde você possa confiar nas pessoas ao seu redor. Imagine poder escolher seu candidato nas próximas eleições levando em consideração apenas se seu plano de governo condiz com o que você acredita, e não se ele é ficha suja ou mais ou menos propenso a roubar o seu dinheiro. Imagine não sentir medo de ser passado a perna a todo instante, em cada compra que faz, em cada conta que paga e em cada negócio que fecha. Imagine não se preocupar em deixar a porta destrancada ou as janelas abertas. É ou não é para ser feliz desta forma? Um dia, quem sabe, chegaremos lá.




8 comentários:

  1. Perfeito texto... mais uma vez. bjs

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  2. To virando fã de carteirinha! O Gistavo tinha comentado comigo a historia dos bebes nos carrinhos! Inacreditavel! Se voce for falar com a vizinha, avisa que na Austria tb nao pode nao! Loucura!

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  3. Muito legal Carine! Não tive a chance de lhe conhecer. Convivi com o Gustavo por um breve período em Copenhagen, mas acompanho seus text, os quais me divertem muito! Parabéns!

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  4. Muito legal Carine! Não tive a chance de lhe conhecer. Convivi com o Gustavo por um breve período em Copenhagen, mas acompanho seus text, os quais me divertem muito! Parabéns!

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  5. Não perco um! Sempre gostoso de ler! Até o próximo!

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  6. Não perco um! Sempre gostoso de ler! Até o próximo!

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  7. Essa confiança já deu problemas a pelo menos 3 dinamarquesas e uma sueca nos estados unidos:
    http://www.bt.dk/nyheder/anette-blev-anholdt-for-at-lade-barnevogn-staa-paa-gaden-sagsoegte-for-135-mio.-kr

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  8. https://www.information.dk/udland/2011/08/bagsiden-endnu-skandinavisk-barnevogns-gate-usa

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