Tanta coisa se passou desde a última vez que eu escrevi aqui. Comecei novos projetos, desanimei com os antigos, fui deixando o blog de lado, mas não é que eu senti falta? Muitos de vocês me cobraram textos novos e foi principalmente quando eu voltei para o Brasil que eu me dei conta de quantas pessoas liam o que eu escrevia! O tanto que eu ouvi de "nossa, muito legal aquela história que você contou no blog!" me deram o gás que eu estava precisando para voltar. Sendo a pessoa carente que sou, o feedback de vocês é muito importante pra mim. Não deixem de comentar ou me mandar um recadinho dizendo o que estão achando do texto.
Como vocês já puderam perceber pelo título da postagem, eu não moro mais na Dinamarca.
Mas tudo bem. Não criemos pânico. Apesar de eu morrer de saudades do país nórdico que chamei de casa nos últimos dois anos, voltar às minhas origens também tem sido bem divertido. E é por isso que eu resolvi listar aqui as cinco principais diferenças que eu senti, boas e ruins, no meu regresso às terras Tupiniquins. Vamos lá!
1) O barulho
Acho que posso generalizar um pouco e dizer que o Brasil é o país mais barulhento que já visitei. Aqui em Vilar dos Teles tem uma rádio que fica tocando música O TEMPO INTEIRO em caixas de som espalhadas pelas ruas. Além disso, tem também os carros buzinando como se não houvesse amanhã, o cara vendendo broa de côco, o cara vendendo vassoura, o cara vendendo gás, a minha mãe gritando com alguém porque pararam na porta da garagem de novo, a minha avó ouvindo a novena do Perpétuo Socorro no último volume no quarto, meu irmão jogando FIFA e comemorando os gols no outro quarto, os cachorros uivando em estilo 101 dálmatas, o carro de som fazendo propaganda do restaurante à kilo que está sob nova direção, o culto evangélico do lado da minha casa... É tanto barulho que não me espanta as pessoas serem tão agitadas. E ser barulhento é algo que contagia. Sério. Eis a diferença de uma conversa minha e do Gustavo em Copenhagen e aqui:
Gustavo em Copenhagen: Carine, você sabe onde está o papel x?
Carine em Copenhagen: Aham. Eu vi em cima da mesa.
Gustavo em Vilar dos Teles: CAAAARRRIIIIINNNEEEEEE
Carine em Vilar dos Teles: OOOOOOOOOOOOOIIIII?????
Gustavo em Vilar dos Teles: CADÊ AQUELE NEGÓCIOOOOO??
Carine em Vilar dos Teles: QUE NEGÓOOOOOOOOCIO???
Gustavo em Vilar dos Teles: AQUELE PAPEEEEELLL!
Carine em Vilar dos Teles: QUÊEEEEEEEEEEEEE??
Gustavo em Vilar dos Teles: AQUELE PAPEEEEEEL!
Carine em Vilar dos Teles: QUE PAPEEEEELLL?
Gustavo em Vilar dos Teles: QUÊEEEEEE?
Carine em Vilar dos Teles: Q-U-E PA-PEEEEEEEL?!?!?!
Gustavo em Vilar dos Teles: AQUELE PAPEL X!!!!!!!!!
Carine em Vilar dos Teles: FALA ALTOOOOOO! QUE PAPEEEELLL??
Eu sei que eu reclamava que Copenhagen era muito silencioso e eu ouvia meu próprio ouvido fazendo "piiiiiii", mas isso aqui é outro nível! Loucura total!
2) A habilidade de conversar
Antes de ir pra Dinamarca uma das coisas que me incomodava muito e eu sempre reclamava é o quanto as pessoas aqui no Brasil falam desnecessariamente. Quem nunca se amaldiçoou por ter escolhido o lugar errado no ônibus e sentado bem do lado de uma pessoa faladeira e desconhecida que não parava de falar sobre a vida dela, te impedindo de tirar aquele cochilinho gostoso? Isso foi antes. Agora, meus queridos, preciso dizer que essa habilidade nacional me dá um certo orgulho por ser brasileira e me faz pensar toda hora que "a gente é show"! Em Copenhagen eu tinha muitos amigos estrangeiros, mas confesso que demorei muito para entender que eles também me consideravam uma amiga. Não é muito comum você saber tudo sobre a vida pessoal de alguém, e muito menos da vida pessoal da mãe, do pai, do namorado, do papagaio ou do periquito desse mesmo alguém. Eles não falam tão abertamente o quanto você significa pra eles, e nem são tão transparentes para que você adivinhe em pouco tempo. E não estranhe se todas as conversas que você tiver durante o dia forem a respeito do clima: esse é o tópido mais discutido também entre eles. Na maior parte das vezes, ninguém fala sobre outras pessoas porque é falta de educação. Apesar de eu concordar com isso, se eu ficasse chateada por algo que alguém fez, eu sentia que não tinha com quem conversar, que meus amigos iriam me julgar se eu me abrisse com eles. Eu fui pra lá com a intenção de não formar círculos de amizade com brasileiros, me forçando, dessa forma, a treinar o inglês e conhecer pessoas e culturas diferentes. Entretanto, eu logo vi que era ESSENCIAL que eu tivesse esse convívio com meus conterrâneos, ou eu iria sucumbir a uma saudade de casa quase insuportável. E realmente, essa necessidade habitava todos nós. Vez ou outra, por exemplo, algum brasileiro me ligava e falava: Vamos fazer alguma coisa? Preciso falar português e fofocar.
Nesse pouco mais de um mês que estou de volta ao Rio, não me lembro de ter tido dificuldade em puxar assunto até agora. Eu vi, inclusive, uma mulher tentando conversar com uma família de gringos no metrô utilizando um dialeto inventado por ela. Como a criatura não sabia inglês, e provavelmente nenhuma outra língua além do português, ela deve ter achado que fosse melhor falar algo como hjger fkdufysiu ehrwegfe adhfgkh do que não falar nada. E os pobres dos gringos com aquela cara de paisagem...
O Gustavo presenciou uma situação numa loja de fotocópias em que, em apenas 5 minutos e meia dúzia de palavras trocadas, um cliente garantiu um emprego para o irmão do vendedor que estava atendendo ele. A conversa foi algo como:
Cliente: Fala parceiro. Quero tirar xerox desses documentos aqui porque eu tô começando um emprego num lugar novo. Sou segurança.
Vendedor: Beleza, chefia! Vou tirar aqui. Pô.. meu irmão terminou o curso pra ser segurança agora, mas ainda não conseguiu emprego não. Será que tu não consegue um trampo pra ele não?
Cliente: Po, mermão! Me passa o contato dele aí que a gente vê o que dá pra fazer.
Vendedor: Calmaê que ligo pra ele agora..... Alô, fulano. Tô aqui com um parceiro meu que pode arrumar um trabalho pra tu. Fala com ele aqui.
Cliente falando com o irmão do vendedor no telefone: E aí, brother? Beleza? Fala aí o curso que tu fez..... Aham... Aham... Aham... Faz o seguinte então.. Liga p o número 123-4567 e fala com o Jair que o João da Silva tá te indicando. Ele vai arrumar um trampo pra tu. Valeu, mermão. Sucesso aê! Falou. Abraço.
E fim. Diz aí... Quem é que precisa de curso de networking quando se mora no Brasil? Não tem ninguém mais comunicativo que a gente!
3) O trânsito
Ou eu realmente me desacostumei com o trânsito do Rio de Janeiro, ou as pessoas enlouqueceram de vez nos últimos 2 anos. O caminho do aeroporto até em casa foi marcado por momentos de desespero em que eu fechava o olho, agarrava o banco, e tinha certeza que ia morrer. Não é exagero, não é drama, é apenas o meu mais sincero relato. Antes de ir pra Copenhagen eu dirigia o tempo inteiro, inclusive longas distâncias. Me achava uma exímia motorista e a prova de que mulher no volante é um perigo constante apenas para as idéias machistas de uns e outros. Eu era, inclusive, bem sagaz e "ligeirinha". Daquelas que chama os outros de "devagar" e almadiçoa o "traste que fica lerdando na pista da esquerda". Entretanto, depois de quase 700 dias sem tocar em um volante, dirigindo apenas bicicletas em ciclovias altamente organizadas e, ocasionalmente, andando de ônibus pelas bucólicas ruas de Copenhagen, o pânico se instaurou quando me deparei com o trânsito carioca. E não só por conta dos carros que não conseguem ficar 5 segundos na mesma faixa, ou das 6483 motos que surgem de todos os cantos, ou dos buracos que deixaria a superfície lunar com inveja, ou com a falta de placas e marcações na pista, ou com o engarrafamento. Mas principalmente pelos pedestres que parecem crer que é a última moda causar pequenos infartos nos motoristas cada vez que atravessam a rua. As pessoas resolveram ignorar os ensinamentos da Rainha dos Baixinhos e não só não olhar para um lado E para o outro, como não olhar para lado nenhum. Os motoristas, por sua vez, tratam essas pessoas como se fossem invisíveis e continuam na mesma velocidade que estavam antes, causando eles, pequenos infartos nos pedestres. E de infarto em infarto o trânsito vai fluindo, sabe-se lá como.
4) A necessidade de comer o tempo todo
A gente come muito. Muito mesmo. Adicione isso ao fato de você ter estado longe de casa por alguns anos e todos sentirem necessidade de fazer você comer tudo o que não comeu nesse tempo. Não que eu esteja reclamado, obviamente, já que muitas das coisas que foram enfiadas pelo nossa goela abaixo foram requisitadas por nós dias antes de comprar nossa passagem para o Brasil. Eu e Gustavo fizemos uma lista com trocentos ícones só de comida que queríamos comer aqui. Nessa lista tinha, dentre outros, pão de queijo, coração de galinha, picanha, biscoito O Globo, tudo possível de cupuaçu, aipim, suco de maracujá, acerola, caju, açaí, refrigerante mineirinho, doce de leite, pastel, farofa de banana, pão de sal com mortadela defumada, coxinha... Eu tenho medo de me pesar e ter que encarar a realidade do que ganhei em apenas um mês.
O ato de comer o tempo inteiro virou um hábito, algo cultural. As pessoas não conseguem ver um camelô vendendo um amendoim ou um chocolatinho no ônibus que PRECISAM comprar. PRECISAM mastigar alguma coisa. "Boquinhas nervosas", como diz o Gustavo. Por aqui, você não precisa andar muito se tiver com fome ou sede. Com certeza tem alguém vendendo algo que possa interessar seu paladar não muito longe. Até mesmo no engarrafamento, a necessidade de mexer a boca logo vem e a gente já vai comprar aquela pipoquinha doce de algum dos camelôs que se materializam na pista. Na Dinamarca, entretanto, se você estiver esperando o transporte público e quiser um chiclete, vai ter que ir no mercado comprar. Um amigo dinamarquês não acreditou quando eu disse que sempre comprei água pela janela do ônibus. "E se o motorista for embora antes de te entregarem o troco?", ele perguntou. "Ahhh.. aí todo mundo começa a gritar dentro do ônibus pra ele parar. Se ele for legal, ele para mesmo.".
A comida foi, definitivamente, o que mais senti falta quando estava na Dinamarca. Só posso dizer que é bom estar em casa. Nessa história de comer muito, quem perde são minhas coxas torneadas, quem ganha é a minha barriga... e meu espírito.
5) A beleza e a feiura
Eu tenho, e acho que sempre terei, uma relação de amor e ódio com o Rio de Janeiro. Posso afirmar que quase todo mundo que é daqui pensa da mesma maneira. Tem tanta nojeira acontecendo na Cidade Maravilhosa, que faz a gente reclamar diariamente das situações que somos obrigados a vivenciar, como a corrupção, a violência desenfreada, o Estado falido, os salários atrasados, o trânsito de bosta, o transporte público que não funciona, etc etc etc. Vale ressaltar que aqui, só fala mal quem é daqui. Se você é de fora e repete exatamente o que um carioca disse estar errado no Rio, esse mesmo carioca vai te olhar torto e mandar você voltar pra qualquer que seja o lugar de onde você tenha vindo. Não é por mal, é justamente por esse sentimento de amor e ódio que nós temos. Mas enfim, não vou falar sobre as belezas e feiuras abstratas da cidade, porque eu precisaria de uns cinco posts pra isso. Vou contar nesse último tópico sobre minhas impressões visuais quando voltei para cá.
A primeira delas, que eu nunca tinha reparado, é a quantidade de fio que estraga a vista do lugar, por mais bonito que ele seja. É extremamente difícil conseguir tirar foto deixando os malditos fios de alta tensão de lado. Isso nunca havia me incomodado, já que eu não conhecia uma realidade em que eles ficassem escondidos, no chão, como era na Europa. Mas agora é um pouco difícil de ignorar.
A segunda feiura que me incomoda é a sujeira. Tem lixo em todas as ruas, e muita, muita, muita, muita poeira. Chega a doer o coração ver um cidadão jogando aquele pacote vazio de biscoito pela janela do carro. A minha rinite/sinusite já despertou da hibernação logo na primeira vez que fui no mercado e o carro, que ia passando rápido, deixou aquele rastro de poeira para trás. As casas pixadas, os monumentos públicos abandonados, os prédios caindo aos pedaços e sem cuidados...
Essas coisas estragam a paisagem e me deixam cada vez mais saudosa do que eu deixei pra trás. Algumas vezes já me peguei pensando "ai, que saudade daquelas ruas limpinhas e daquele povo educado que não joga lixo no chão.". E é aí que entra aquele relacionamento de amor e ódio que eu citei no início. É só eu olhar com um pouquinho mais de cuidado para os detalhes, que meu peito se enche de orgulho e a expressão Cidade Maravilhosa vem à tona. Fomos em um mirante ver a cidade e, no caminho, paramos o carro para deixar uma família de macacos-prego atravessar a rua. Descemos para admirar e fotografar, e eu não me lembro de ter me sentido tão em paz nos últimos tempos. Chegando no mirante, aquela vista de tirar o fôlego me lembrou que a culpa não é do Rio de Janeiro, afinal das contas. Ele realmente é lindo e sempre será. A culpa das feiuras daqui vem de uma situação muito mais complexa, que eu definitivamente não tenho conhecimento suficiente para discutir. O que sei sobre esse e todos os outros tópicos que escrevi aqui, é que é IMPOSSÍVEL comparar realidades tão diferentes. Europa é Europa... e nós somos nós. Com todos os nossos defeitos, mas também todas as nossas belezas e peculiaridades.
Eu te entendo!! E qnd é q vc vai ao Corcovado? Rs... tá show o texto!! Em nenhuma hipótese consigo imaginar vc tendo aquele diálogo com o Gustavo em terras tupiniquins!!!rs....bjs
ResponderExcluirSensacional! Vc eh muito divertida. Otimo relato.
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirAcabei de descobrir o seu blog e já li vaaarios textos! rsss
Estou adorando! Quando puder, escreva mais!
Cristina